Como os Hábitos Funcionam?
Eugene Pauly era um paciente idoso que teve problemas cerebrais causados por uma encefalite viral e por isso perdeu a capacidade de usar uma parte do seu cérebro, o lobo temporal medial. Todo o resto do seu cérebro continuou funcionando normalmente, mas sua memória ficou prejudicada. Ele se tornou incapaz de se lembrar de qualquer coisa que tivesse ocorrido após 1960, mas se lembrava de tudo que aconteceu antes disso. Ele se transformou em um homem incapaz de aprender coisas novas e, em segundos, esquecia o que havia ocorrido no momento anterior. Eugene não se lembrava nem onde ficava seu quarto ou a cozinha em sua própria casa.
Diariamente, para exercitar-se, sua esposa o levava para caminhadas ao redor do quarteirão. Porém, um dia, Eugene desapareceu e sua esposa ficou preocupada. Sua perda de memória poderia fazer com que ele se perdesse e nunca mais voltasse para casa. Por incrível que pareça, em apenas 15 minutos, seguindo sua rota diária, ele conseguiu retornar para casa. Alguns dias depois, Eugene já era capaz de fazer o percurso sozinho. Isso fez com que os cientistas o estudassem e descobrissem que os hábitos, suas práticas rotineiras, são armazenadas em uma área do cérebro totalmente diferente do lobo temporal, responsável pela memória. Isso provou que nós aprendemos e tomamos decisões inconscientes sem a necessidade de nos lembrarmos sobre os fatos que levaram àquela decisão ou aprendizado. Esse é o poder do hábito.
Acionando Hábitos
Nosso cérebro é uma máquina poderosa. Ele está constantemente encontrando maneiras para se esforçar menos e automatizar rotinas, apenas para economizar energia. Um hábito funciona em um fluxo de 3 etapas:
- Gatilho: Alguma coisa acontece e seu cérebro entende este gatilho como um chamado para entrar no modo automático e escolher qual rotina usar;
- Rotina: É uma ação física, emocional ou mental que é automaticamente acionada pelo gatilho;
- Recompensa: Um estímulo positivo ocorre e diz ao seu cérebro que aquela rotina funciona e por isso deve ser armazenada. Entender como os hábitos são acionados é importante, pois nos dá controle sobre nós mesmos. Ao entender os gatilhos e as recompensas, somos capazes de alterar, adaptar e criar novas rotinas.
O principal motivo pelo qual as pessoas estudam esse tema é aprender a criar novos hábitos e reforçar hábitos positivos. Um hábito relativamente novo adotado pela população, por exemplo, é a simples rotina de escovar os dentes. Claude Hopkins, um publicitário americano, incentivou este hábito ao amarrá-lo a um gatilho comum no dia a dia das pessoas. Em seus anúncios, ele dizia "Passe sua língua nos dentes. Você sente uma camada sobre eles? Essa camada faz com que seus dentes percam a cor e se deteriorem." Após o gatilho, seus anúncios diziam: "A pasta de dentes Pepsodent remove esta camada e deixa seus dentes mais limpos e bonitos." A grande verdade é que esta camada é natural e a pasta de dentes da Pepsodent não a remove. Entretanto, o gatilho era tão poderoso que bastava as pessoas passarem a língua nos dentes e isso as conectava com a ideia de escovar os dentes (rotina) e a recompensa (dentes bonitos). Menos de 10 anos após esta campanha, a população americana que escovava os dentes cresceu quase 10 vezes.
A técnica de Claude Hopkins é simples e segue os 3 passos:
1. Crie um novo gatilho na sua mente (ou na mente das pessoas);
2. Associe uma rotina positiva a ele;
3. Crie uma recompensa mental ou física associada à manutenção deste hábito.
Mudança de Hábitos
O treinador americano Tony Dungy tinha um método não convencional e extremamente bem-sucedido para garantir que seus atletas tivessem bons resultados: ele levava seus jogadores a responderem automaticamente às jogadas de seus oponentes. Ele não queria que seu time pensasse antes de agir.
Tony recorria à formação de hábitos que respondiam imediatamente, e não a escolhas racionais em cada jogada. O treinador sabia que hábitos não são facilmente removidos, eles precisam ser transformados. E eles só se transformam se uma nova rotina pode substituir a rotina existente com um mesmo gatilho e uma mesma recompensa. Seus treinos se baseavam em amarrar os gatilhos e as recompensas existentes a novas rotinas. As novas rotinas eram mais simples, davam aos jogadores menos escolhas e mais comportamentos não racionais. Com seu método, Tony conquistou dezenas de títulos e se tornou um treinador lendário.
Outro método extremamente bem-sucedido de mudança de hábitos são os 12 passos dos Alcoólicos Anônimos. O método simplesmente propõe novas rotinas para o gatilho da necessidade física de consumir álcool e utiliza as mesmas recompensas que o álcool desperta nas pessoas, como relaxamento, necessidade de companhia, redução de ansiedade, etc.
Porém, o método do AA, por si só, ainda tem dificuldades de transformar os hábitos das pessoas. Por isso, ele investe também na criação da crença de que as pessoas viciadas em álcool precisam da intervenção das outras pessoas. Elas precisam acreditar que tem mais gente envolvida nesta transformação para não as decepcionar. Essa fé é um ingrediente essencial para mudar hábitos, pois a mudança ocorre em sociedade.
Pequenas Vitórias Tem Grandes Impactos
Existem muitos hábitos em nossas vidas que influenciam dramaticamente a maneira como vivemos e como as empresas funcionam.
Um hábito positivo leva a outro e isso cria uma cadeia de hábitos positivos que funcionam bem em conjunto. Pessoas que começam a exercitarem-se, por exemplo, naturalmente começam a se alimentar melhor, tornarem-se mais produtivas no trabalho e, consequentemente, o stress é reduzido. Na sua vida ou na sua empresa, é essencial identificar um hábito fundamental que precisa ser mudado e que trará melhorias diversas em vários outros hábitos que impactam seu dia a dia.
Encontrar o hábito fundamental é difícil e requer uma abordagem de tentativa e erro. O importante é identificar algo que é pequeno o suficiente para ser mudado e tenha impactos positivos no todo. Em 2009, por exemplo, um estudo provou que o simples hábito de anotar os alimentos consumidos durante o dia era capaz de ajudar as pessoas a identificar padrões de alimentação, o que fazia com que elas planejassem melhor sua alimentação, tornando-as mais saudáveis. Neste estudo, o grupo que tinha os diários de alimentação perdeu o dobro de peso que os demais participantes.
Foque em encontrar pequenas coisas.
O Papel da Força de Vontade
Cientistas já provaram que a força de vontade é fundamental para o sucesso, com muito mais impacto do que a inteligência da pessoa. Isso foi provado em um experimento chamado de teste do marshmallow. Um doce era colocado na frente das crianças e aquelas que resistissem à tentação de comê-lo por 15 minutos ganhariam outro. O resultado é impressionante: crianças que conseguiram esperar para ganhar o segundo marshmallow obtiveram as maiores notas nos testes finais do ensino médio, maior taxa de acesso à universidade e melhor desempenho acadêmico. Porém, o ser humano tem um estoque limitado de força de vontade e ele também precisa ser exercitado. Quando desenvolvemos nossa capacidade de "adiar a recompensa" através do treinamento da força de vontade, ampliamos nosso estoque e nos tornamos capazes de realizar mais.
Como Líderes Criam Hábitos
Todas as empresas têm hábitos institucionais, que são repetidos diariamente por seus membros. Apesar de uma empresa acreditar que toma decisões planejadas no dia a dia, a verdade é que existe uma máquina de rotinas que levam às decisões da organização. Empresas bem-sucedidas cultivam hábitos que equilibram o poder e a paz.
No início dos anos 2000, por exemplo, O Hospital Rhode Island era considerado um dos melhores dos Estados Unidos. Porém, com o sucesso, uma cultura tóxica se instaurou. Médicos tratavam mal as enfermeiras e isso levava a maus tratos aos pacientes e erros médicos. O executivo responsável pela qualidade do Hospital, tomou ações simples que mudaram completamente sua cultura. Coisas simples, como o uso de câmeras nos consultórios, checklists de conferência para várias situações e a criação de um sistema de avaliações permitiram que as enfermeiras prevenissem erros operacionais e quaisquer maus tratos. Essas medidas simples formaram novos hábitos que fizeram com que o hospital recuperasse sua autoridade e ganhasse diversos prêmios de qualidade.
Como as Corporações Manipulam Hábitos
Nos últimos anos, com o advento da internet e da computação, as empresas passaram a ser capazes de capturarem um alto volume de dados sobre os hábitos dos consumidores para predizer suas ações, novos produtos e demandas do mercado. Isso fez com que elas descobrissem que hábitos são mais importantes do que as intenções do consumidor no processo de compra. Com isso nasce um novo desafio.
Cada pessoa tem hábitos únicos, pessoais. Por isso, ao analisar este alto volume de dados, as empresas que entendem o papel do hábito no processo de compra, são capazes de personalizar seus produtos e serviços para os hábitos dos grupos mais comuns de pessoas. Com informações como suas compras anteriores, sua idade, sexo e os meios de pagamento que você usa, as empresas conseguem identificar grupos de usuários que agem de maneira relativamente similar. Se você compra pirulitos e fraldas toda vez que vai ao supermercado, por exemplo, as empresas podem descobrir que você tem filhos de idades diferentes. Com estas informações, as mesmas empresas são capazes de lhe enviar recomendações de produtos e cupons personalizados.
Uma outra abordagem comum no marketing usando dados é se aproveitar de grandes eventos na vida das pessoas, como o primeiro emprego, o casamento ou o nascimento de um filho, criando oportunidades de formação de novos hábitos nas pessoas. Você precisa entender que as empresas acompanham seus hábitos e os usam como iscas e gatilhos para manipulação dos seus padrões de consumo e deve estar pronto para resistir às ofertas que se aproveitem disso.
O Hábito e a Sociedade: Criando Movimentos
Em tempos de segregação racial nos EUA, uma história se destaca: Rosa Parks, uma mulher negra, desafiou o sistema e se assentou na parte "branca" do ônibus que era dividido entre brancos e negros. Ela começou uma grande onda que culminou com o fim desta segregação, através deste simples, mas poderoso gesto. Ela foi presa e, quase imediatamente, grupos começaram a distribuir panfletos e fazer um boicote ao sistema de transportes. O boicote se tornou um novo hábito da comunidade, gerou protestos e eventualmente a necessidade do Ato dos Direitos Civis de 1964 nos Estados Unidos.
Rosa não foi a primeira pessoa a fazer isso, mas este também não foi apenas um ato desafiando o sistema. Ela tinha laços e amigos em sua comunidade. Os comportamentos que ocorrem sem planejamento racional, como o que ocorreu com Rosa, são muitas vezes os pilares das grandes mudanças na sociedade. Movimentos como este acontecem pois existem hábitos relacionados ao grupo de amigos, vizinhos e grupos com relação a uma causa. A ação de Rosa cresceu, pois foi adotada pela comunidade e as pessoas queriam demonstrar uma nova identidade e participar de um grupo que se unia através do desejo pelos direitos civis.
O poder dos laços fracos explica como um protesto pode deixar de ser apenas algo de um grupo de amigos e se tornar um movimento social forte. Convencer milhares de pessoas a buscar um mesmo objetivo é difícil, mas usar a ligação entre as pessoas para criar uma pressão de companheiros tende a funcionar para mudar os hábitos de uma sociedade.
Somos Responsáveis por Nossos Hábitos?
Em 2010, um pesquisador de neurociência descobriu algo fascinante ao fazer exames de ressonância magnética comparando cérebros de viciados em jogos de azar com jogadores casuais. Quando viam as máquinas de cassino rodando, o cérebro dos viciados sempre reagia com uma sensação de vitória, mesmo quando eles perdiam, enquanto jogadores casuais registravam corretamente suas perdas na memória. Esse é um ponto chave na formação de hábitos. Quando o viciado se recompensa em uma situação de derrota, isso cria um círculo vicioso que leva a mais jogadas e a maiores perdas. Os jogadores casuais só registram a recompensa quando param de jogar e isso evita a perda de dinheiro. Charles se pergunta sobre a moralidade disso. É correto formar hábitos que destroem a vida das pessoas? O jogador viciado é responsável pelas suas más decisões? Apesar do questionamento moral e de sermos incapazes de julgar de quem é a culpa, para Charles, uma vez que você entende que o hábito existe, você tem a habilidade de mudá-lo.
Mudança de Hábito, Um Guia Prático
Uma vez que somos capazes de compreender o papel dos hábitos em nossas vidas, nosso principal desafio é transformá-los de acordo como que queremos. Siga estes passos para formar hábitos saudáveis:
- Identifique a rotina: Apesar de nem sempre ela ser óbvia e muitas vezes ela seja inconsciente, o importante é que você seja capaz de analisar seus comportamentos e planejar como mudá-los. Identifique o que você quer mudar, antes de ir para o segundo passo;
- Experimente recompensas diferentes: Se você não consegue trocar rotinas ruins por novas rotinas, é preciso jogar com as recompensas. Se você está comendo comidas ruins e se alimentando de forma nada saudável antes de dormir, por exemplo, você deve substituir a recompensa desta rotina. Substitua a comida por um lanche saudável ou apenas descanse por alguns minutos. Depois disso, ligue um cronômetro, aguarde 15 minutos e pergunte-se se você ainda sente a mesma vontade de comer fast food. Se sim, você ainda não identificou o gatilho do hábito. Experimente recompensas diferentes até que você descubra qual gatilho aciona aquele mau hábito. Se por acaso, neste exemplo o gatilho era sua fome, entenda que você pode superar a fome comendo coisas diferentes, como o lanche saudável. Se o gatilho deste hábito é cansaço, tire alguns minutos para descansar.
- Isole o gatilho: Se você sabe qual recompensa satisfaz aquele gatilho, ainda é necessário entender o gatilho mais a fundo. Os gatilhos mais comuns tendem a ser sempre relacionados a 5 categorias principais:
- Um lugar: Onde você se encontra quando surge a rotina?
- Um horário: Quando surge esta rotina?
- Um estado emocional: Como você se sente quando surge esta rotina?
- Outras pessoas: Com quem você está quando ela aparece?
- Uma próxima ação clara: Quando você tem algo a fazer e a rotina é acionada. Se você tem um hábito que precisa eliminar, anote os lugares, horários, sentimentos, com quem você está e quais os próximos passos antes daquela rotina aparecer. Depois de algumas repetições, você começará a entender o padrão.
- Crie um plano: Uma vez que você entendeu os 3 principais componentes do hábito, fica fácil planejar uma nova rotina que lhe traz a mesma recompensa para o mesmo hábito. Fique alerta até que o gatilho apareça e aja de acordo com o plano. Se funcionar e você tiver a força de vontade para repetir este novo condicionamento sempre, você será capaz de transformar seus hábitos.
Notas Finais:
Hábitos ditam muito das suas atividades e dizem muito sobre quem você é. Entendê-los é o primeiro passo para ser capaz de transformar sua vida, sua produtividade e seus resultados nos negócios. Você se torna melhor naquilo que você repete constantemente e isso são seus hábitos. Trabalhe para conhecer a si mesmo, transforme-se e exercite sua força de vontade para se tornar uma pessoa com um grande autocontrole.
Cezar Nunes